quarta-feira, novembro 08, 2006

Eutanásia Sim ou Não?

Não sei ao certo o que estou a fazer, o que estou a escrever, se é um diário, uma carta, um manuscrito ou simplesmente algo para me aliviar este enorme sofrimento.
Sei que estar a passar para o papel tudo aquilo que sinto não me vai ajudar em nada, pelo menos não fisicamente.
Desde que cá estou, nos cuidados paleativos do Hospital de Santa Maria, sinto-me só, por mais visitas diárias que tenha, por mais enfermeiras e médicos que passem o sentimento é sempre o mesmo, solidão.
Sinto-se só, só com esta maldita doença que me consome, que me queima, que me corroi...
Desde que cá cheguei, e já lá vão cinco anos já tive tempo para pensar em todo o tipo de assuntos: na familia, no trabalho, no dinheiro, na política, no desporto, no direito, até em Deus eu pensei, e logo eu que sou ateu, mas também com tanto tempo e com tantas dores o único que me resta é pensar.
Às vezes, quando viajo nos meus pensamentos, é claro, imagino que estou num sítio bonito cheio de árvores, árvores grandes, com grandes sombras, nessas sombras existem grandes toalhas aos quadrados e enormes cestos cheios de coisas boas, e eu estou lá, e até estou de pé, deve ser a isto que chamam céu, talvez eu já esteja morto e não saiba.
Sim, porque é a única coisa que me falta, é morrer, porque morto já eu me sinto. Sinto-me morto, preso, armadilhado, um verdadeiro estorvo, um peso morto como dizem por aí.
Às vezes divago e penso sobre a eutanásia, será que é essa a melhor solução para mim?será que algm dia terei esse poder, o de escolher?será que algum dia conseguirei tomar essa decisão? Por mais que pense em morrer e no facto de por vezes me considerar morto, não sei se teria essa coragem, a coragem de dizer Sim.
Por outro lado o que ainda estou cá a fazer? Nada? Nada não, preocupo a minha família e amigos, estorvo-lhes a vida, ocupo-lhes tempo e para além desses factores familiares ainda existem os factores socio-económicos, estou cá no hospital a ocupar uma cama, e cuidados médicos que poderiam ser prestados a alguém que valesse a pena, a alguém que ainda podesse ser salvo, mas estou cá eu sem “vida”, sem esperança e sem cura...
Agora está na hora de mais uma dose industrial de morfina. Será que aguento? será que resito? Quem me dera que sim, quem me dera que não…


Manel

Trabalho realizado por:
Inês Germano

1 comentário:

Hugo Cunha Lança disse...

Inês, os seus trabalhos, começam a ser um caso sério! Impossível ler impassível!